segunda-feira, 7 de maio de 2012

"Ação ambiental será inútil se população continuar crescendo",

CLAUDIO ANGELO

John Eduard Sulston
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

O elefante populacional está de volta à loja de cristais do debate sobre desenvolvimento sustentável.

Um relatório divulgado no fim do mês passado pela Royal Society, principal sociedade científica britânica, recomendou à conferência ambiental Rio+20 que tome medidas para conter a explosão da população do planeta e o consumo excessivo -tanto dos países ricos quanto dos emergentes, como o Brasil.

O porta-voz desse paquiderme é alguém conhecido por seu trabalho com um organismo de 1 milímetro: o biólogo John Sulston, 70.

Um dos líderes do Projeto Genoma Humano, Sir John ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2002 por seus trabalhos com células do minúsculo verme Caenorhabditis elegans.

Nos últimos dois anos, ele se afastou da biologia e se aventurou no território das ciências sociais, chefiando o comitê de especialistas que produziu o relatório "People and the Planet" [As Pessoas e o Planeta, em inglês].

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Folha - Levantar a questão populacional num contexto ambiental é sempre delicado, porque os países pobres acham que isso é uma invenção dos ricos para cerceá-los. Por que trazer isso à baila?

John Sulston - Bem, estamos dizendo que a combinação entre população e consumo é importante. E por que agora? Bem, porque os efeitos da população combinados com os do consumo estão ficando mais visíveis.
A mudança climática, por exemplo, hoje é muito clara, coisa que não era há 20 anos, embora os modelos previssem que ela ocorreria.
Nós também temos muita noção da taxa de extinção das espécies, que não tínhamos medido antes. O uso de nitrogênio mundo afora está poluindo estuários e causando algumas dessas extinções, e assim por diante.
E essas tendências vão continuar se nós não fizermos nada. Quando começamos a analisá-las, chegamos a essa resposta de que nós não devemos olhar só para a população, mas tampouco deveríamos considerar apenas o consumo.
Afinal, se tivéssemos apenas um décimo da população, o consumo não importaria tanto, e se tivéssemos um décimo do consumo, a população não importaria tanto.

Folha - O sr. tem acompanhado as negociações aqui nos últimos dois dias. Quão descoladas elas estão do mundo real?

Eu acho que as negociações precisam estar sempre um pouco à frente do mundo real, ou seja, da maneira como as coisas estão.
Folha - Quais são as suas expectativas para a Rio+20?

Eu gostaria muito que nós tivéssemos algum texto lá que reconhecesse a importância de população e do consumo lado a lado com nossa preocupação direta com o ambiente. Acho que isso dará a pessoas de boa vontade em toda parte uma plataforma para políticas mais sãs.
Mas, se você não mencionar essas coisas, as pessoas podem dizer: "Bem, não estava no acordo, então não precisamos negociar isso".

Folha - Vocês dizem no relatório que as economias desenvolvidas e emergentes precisam rever seus padrões de consumo. É a primeira vez que se diz isso tão diretamente, e os emergentes não vão gostar.

Bem, está condensado aqui nas recomendações. O que nós dizemos no relatório é que existe muito espaço para que as economias mais desenvolvidas se desmaterializem. Estamos falando de consumo material. O relatório não diz que existe qualquer razão para as economias ficarem mais pobres.
Fontes de energia, redução de lixo e reciclagem de metais entram aí. E isso significa mais empregos, a propósito. Com as economias emergentes é mais difícil, porque elas são muito heterogêneas.
O Brasil, claro, é uma das mais poderosas, e nós sabemos que existe uma sensibilidade muito grande dos países mais desenvolvidos, que dizem: "Vejam, esses países estão ficando mais ricos". O que estamos tentando é reconhecer que há um espectro e, à medida que as pessoas atingem uma determinada etapa do desenvolvimento, todo mundo começa a fazer a sua parte.
Nós também enfatizamos a possibilidade de "leapfrogging" ["saltar" diretamente para tecnologias desejáveis], e nisso temos o exemplo brasileiro da produção de etanol de cana. Então, eu acho que seria um insulto se as economias emergentes sugerissem que não têm nada a contribuir. Indústrias verdes como as turbinas eólicas que a China produz são outro exemplo.

Fonte: Jornal GFolha de São Paulo, de 06.05.2012

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