quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O pato paga o pato: proibição de foie gras (patê de fígado de pato) na Califórnia (EUA) alimenta ira francesa


Veto ao foie gras alimenta a ira francesa

 

KIM WILLSHER
DO "OBSERVER", EM FRESPECH, FRANÇA
O produtor de foie gras Yves Boissière promete aos visitantes um giro abrangente pela sua granja em Frespech, no sudoeste da França.

O ponto inicial é o "berçário" aquecido que abriga 800 filhotes de pato de dois dias de idade. O dia termina com um jantar com foie gras no restaurante da granja.

Mas uma parte importante do processo está ausente: trata-se do "gavage", a alimentação forçada dos animais. É isso que causa indignação nos defensores dos direitos dos animais e resultou em proibição à venda e produção de foie gras no Estado da Califórnia, nos EUA.

O presidente francês, François Hollande, assumiu o compromisso de combater a decisão californiana, que entrou em vigor em 1º de julho.

Não é a queda nas vendas que preocupa os produtores franceses - o produto não tem grande mercado do outro lado do Atlântico - e sim o medo de que a proibição se torne contagiosa, arruinando porção relevante da herança gastronômica francesa.

Boissière não hesita em falar sobre os detalhes do "gavage". Descreve como seus empregados bombeiam ração para os estômagos dos patos a fim de tornar seus fígados gordurosos -é isso que significa "foie gras" - elevando o peso dos órgãos a cerca de 500g, ou dez vezes o normal.

Ele oferece números e fatos: os filhotes passam duas semanas "se aclimatando" no berçário, 12 semanas ao ar livre e depois por 13 dias de alimentação intensiva, começando com 200g de milho ao dia e subindo gradualmente para um quilo diário.

Mas a alimentação forçada não consta na visita guiada. Se os visitantes pudessem assisti-la, teriam visto uma funcionária introduzindo os tubos de alimentação na garganta dos animais, enquanto os acalma com carícias nas suas penas peitorais.

Não há sinal evidente de crueldade, o que torna curiosa a omissão de Boissière.

Frederic J. Brown/France Presse
Lá dentro, chef finaliza pratos com foie gras em evento contra a proibição da iguaria
Lá dentro, chef finaliza pratos com foie gras em evento contra a proibição da iguaria


Frederic J. Brown/France Presse
Defensores dos animais protestam em calçada diante do restaurante Melisse, que servia foie gras na Califórnia
Defensores dos animais protestam em calçada diante do restaurante Melisse, que servia foie gras na Califórnia


NA TRINCHEIRA
Um estudo científico aceito em 1998 pela Comissão Europeia constatou que o índice de fatalidade entre os animais alimentados à força era até 20 vezes superior ao registrado entre animais alimentados normalmente.

O relatório descreve o foie gras como "fígado patológico" de uma ave "com esteatose hepática" - acumulação de células gordurosas que, em seres humanos, seria usualmente causada por abuso de álcool ou obesidade.

Como resultado, a alimentação forçada está proibida em países como Reino Unido, Alemanha e Itália.

Os produtores, entretanto, contam com um trunfo: segundo o Código Rural francês de 2006, "o foie gras é parte da herança cultural e gastronômica protegida da França. Por 'foie gras', entende-se o fígado de um pato ou ganso engordado especificamente por alimentação forçada".

Argumentam que patos migratórios se enchem de comida para longas jornadas, e o "gavage" é extensão desse processo natural.

VOTOS E PATOS
Boissière diz que a decisão californiana é um erro e quer que o governo francês a conteste. "Creio que resulte da incompreensão e que tenha sido adotada porque é um jeito fácil de conquistar votos, mas se baseia na ignorância quanto aos fatos", afirma.

Brigitte Gothière, do grupo "Stop Gavage", surgido na França, discorda completamente. "Não estamos falando em conceder o direito de voto aos patos. O ponto é o respeito a um ser vivo. Os patos usados para o foie gras jamais migraram", diz. "Os granjeiros argumentam que a alimentação forçada é reversível e não causa doenças. Isso não é verdade".

Tradução de Paulo Migliacci
Fonte: notícias.bol.uol

Nenhum comentário:

Postar um comentário