domingo, 19 de agosto de 2012

Paisagem urbana: a cidade admirada a partir do detalhe


Vida e Cidadania

Domingo, 19/08/2012
Antônio More/Gazeta do Povo
Antônio More/Gazeta do Povo / “Apreciando a cidade e não só passando por ela, você passa a ter uma relação mais afetiva com a cidade. Passa a olhar com outros olhos, conhece melhor a sua história e vai criando raízes mais profundas.” - Washington Cesar Takeuchi, engenheiro e autor do blog Circulando por Curitiba“Apreciando a cidade e não só passando por ela, você passa a ter uma relação mais afetiva com a cidade. Passa a olhar com outros olhos, conhece melhor a sua história e vai criando raízes mais profundas.” - Washington Cesar Takeuchi, engenheiro e autor do blog Circulando por Curitiba
PAISAGEM URBANA

A cidade admirada a partir do detalhe

Grupo sai às ruas para observar e descobrir pormenores de uma Curitiba que quase sempre passam despercebidos no dia-a-dia


Publicado em 19/08/2012 | FERNANDA TRISOTTO
As pedras pretas e brancas que compõem mosaicos nas calçadas curitibanas não formam desenhos iguais. Na Praça Carlos Gomes, por exemplo, o petit-pavé mostra liras no pavimento. Em frente ao prédio histórico dos Correios, pombas foram modeladas no chão. Detalhes como esses, que passam despercebidos em uma caminhada apressada pelo Centro, são apenas uma parte da Curitiba que mais chama a atenção de um grupo que se reúne para observar a cidade a cada nova estação.
Em 2010, o professor de Física da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Mário Sérgio Freitas participou de um curso de experimentação urbana e, a partir da interação com os colegas, decidiu oferecer uma oficina sobre o que conhecia bem: a observação da cidade.
Em agosto
Distrito industrial é a próxima parada
A observação cuidadosa da cidade revela pequenas surpresas. Quem olhou com atenção para os prédios da Praça Zacarias certamente viu a escultura de uma águia de duas cabeças que ocupa parte da marquise do edifício Acácia e seu vizinho. A escultura ficava em uma loja maçônica que ficou na praça até idos dos anos de 1960, quando foi demolida para dar lugar aos prédios. A águia, no entanto, permanece altiva no local. É esse tipo de detalhe que ganha destaque nas caminhadas observacionais. A próxima edição, marcada para 25 de agosto, vai explorar o bairro Rebouças, que foi o distrito industrial de Curitiba. Entre os pontos de parada definidos no itinerário do passeio estão a observação do Rio Belém descanalizado e as chaminés de tijolos.

Antônio Costa/Gazeta do Povo
Antônio Costa/Gazeta do Povo / “Nossa caminhada é muito mais focada no indivíduo, no que ele se interessa. Observamos os detalhes, que dão o colorido às coisas.” - Mário Sérgio Freitas, professor de Física da UTFPR e idealizador da Caminhada ObservacionalAmpliar imagem
“Nossa caminhada é muito mais focada no indivíduo, no que ele se interessa. Observamos os detalhes, que dão o colorido às coisas.” - Mário Sérgio Freitas, professor de Física da UTFPR e idealizador da Caminhada Observacional
Serviço
Saiba mais
Mais informações sobre a Caminhada Observacional podem ser obtidas no sitewww.pessoal.utfpr.edu.br/msergio/astro-Caminhadas.htm .
Em novembro daquele ano começaram os encontros de caminhada observacional, que reúne um grupo bastante diversificado, com cerca de 20 pessoas de várias idades, escolaridades e classes sociais. No projeto, Freitas conta com o apoio do artista plástico Rafael Codognoto, que o ajuda a preparar e a conduzir o passeio.
Trajetos
Os trajetos percorridos têm entre cinco e oito quilômetros e o ritmo é lento: em média, cada passeio leva quatro horas. “Nossa caminhada é muito mais focada no indivíduo, no que ele se interessa. Observamos os detalhes, que dão o colorido às coisas”, resume Freitas.
Desde o início do projeto, já foram 45,6 quilômetros andados em dez bairros – Água Verde, Centro, Bigorrilho, Pilarzinho, Vista Alegre, Seminário, Alto da XV, Juvevê, São Francisco e Mercês. A próxima aventura está marcada para o fim deste mês, no Rebouças, o antigo bairro industrial da capital.
Freitas diz que a caminhada é um programa de entretenimento. “É algo muito simples, mas as pessoas ficam maravilhadas.” A pressa do dia-a-dia faz com que muitas pessoas não vejam aquilo que está ali, pronto para ser observado. “Acho que perdemos o hábito de olhar o entorno. As crianças olham tudo em volta e, talvez, em alguma etapa da nossa educação perdemos isso”, analisa.
Para Codognoto, o ritmo apressado da vida faz com que coisas interessantes se percam, por isso é importante conhecer a cidade em que se vive. “Observar a cidade é diferente para cada pessoa”, explica o artista, que considera as descobertas de cada caminhada relevantes.
Admiração
Curitibano, Freitas conta que nasceu e cresceu na cidade e nunca morou em outro lugar. Na capital, viveu por 25 anos na casa dos pais, no bairro São Francisco, de onde se mudou para o Bigorrilho, onde vive até hoje. É perto de sua casa, inclusive, que fica o seu ponto preferido da capital. Na pequena Travessa Amando Mann, nas Mercês, um morador montou, na frente de casa, uma estrutura com arcos decorados por garrafas PET recortadas, lembrando uma grande decoração natalina. “Considero uma atração especial porque a liberdade criadora é admirável”, resume.
É essa Curitiba simples que o grupo procura descobrir – e viver –, assim como a definida na prosa de Dalton Trevisan, o mais ilustre escritor paranaense, que diz: “Curitiba sem pinheiro ou céu azul pelo que vosmecê é – província, cárcere, lar – esta Curitiba, e não a outra para inglês ver, com amor eu viajo, viajo, viajo”.
Observação faz envolvimento aumentar
Uma médica, um engenheiro, dois designers e um professor universitário são apenas uma amostra da mistura de pessoas que costumam participar das caminhadas observacionais. Embora tenham rotinas diversas, a paixão pela cidade e a vontade de encontrar o inusitado os tornam um grupo unido para a observação de detalhes.
Presentes na oficina que deu origem ao projeto, os designers Lia Monica Rossi e José Marconi de Souza contam que a observação de cidades está no sangue deles e consideram que esse tipo de emoção é a que mais os surpreende e os satisfaz. Com uma vida marcada por constantes mudanças, eles acreditam que caminhar por Curitiba os ajuda a entender melhor a vida na capital. “Curitiba tem uma peculiaridade. De todos os lugares que vivemos, este é o que demanda mais empenho para criar conexões com seus moradores. Caminhar nos ajuda nisso”, conta Lia.
O professor da área de Estudos Socioambientais da UTFPR Carlos Eduardo Fortes Gonzalez, que participa do grupo, também defende que a ação ajuda a compreender melhor a cidade. “A observação do ambiente urbano traz impressões importantes para os estudos socioambientais, pois auxilia na compreensão das relações entre a sociedade e o meio ambiente”, argumenta.
Sempre ligado
A médica carioca Silvia De Rossi, vive em Curitiba há 27 anos, mas conta que passou a conhecer melhor alguns lugares e suas particularidades depois que começou a participar do grupo. “Passei a prestar atenção em detalhes interessantes, que podem ir de calçadas a um nicho na parede das casas”, conta.
O mesmo ocorreu com o engenheiro Washington Cesar Takeuchi, que, antes mesmo de caminhar com o grupo, havia criado um blog (www.circulandoporcuritiba.com.br ) em que posta, diariamente, uma foto com um comentário sobre a cidade. Com isso, passou a reparar mais em pequenos detalhes. “Agindo dessa forma – apreciando a cidade, não só passando por ela –, você passa a ter uma relação mais afetiva com a cidade. Passa a olhar com outros olhos, conhece melhor a sua história e vai criando raízes mais profundas”, afirma.

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