quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Tantos biguás! André de Meijer - Carta X

 Tantos biguás! 


Em 20 de julho último, vindo da minha casa desci do ônibus no terminal rodoviário de Antonina às 10:30h. Logo me dirigi ao cais ao lado, pois sabia que a maré-baixa tinha sido às 9:26h (horário nos Terminais Portuários da Ponta do Félix, a 4 km, em direção da saída da baía) e assim os bancos de lama ainda estariam parcialmente expostos, com muitas aves ali se alimentando. Ao chegar tive uma imensa surpresa: biguás (Phalacrocorax brasilianus) estavam passando em formação retilínea ao longo do cais e a duzentos metros dele. Vieram do sudeste (Paranaguá) e foram para o noroeste, em direção à Ilha do Corisco e o rio Cachoeira. Não sei quanto tempo já estavam passando desta forma na minha chegada e, assim, não sei quantos já tinham passado. Mas ainda pude apreciar o espetáculo ininterrupto por uns dez minutos até o último biguá ter passado. Pegou-me desprevenido e acabei nem tentando contá-los, o que talvez tivesse sido mesmo impossível. Somente filmando e depois repassando o filme em câmera lenta teria sido possível fazer uma contagem confiável. Afirmo que nunca na minha vida tinha visto tantos biguás. Posso apenas chutar o número: cinco mil indivíduos? Mas podem ter sido dez mil!
Maravilhado fui imediatamente contar essa novidade aos amigos da Peixaria da Bete, situado logo ao lado de cais. Eles, que têm um panorama permanente da baía, me livraram rapidamente do meu encanto, pois responderam: “Cara, você ainda não viu nada!”.
Estavam falando sério, ou estavam exagerando para impressionar o gringo?
Duas outras vezes vi em Antonina um número muito grande de biguás: em 22 de agosto de 2005 e em 27 de abril de 2008 havia uma concentração de aproximadamente 500 indivíduos no mesmo local na baía: a duzentos metros em frente à Ponta da Pita. Em ambas as vezes a presença de um cardume de peixes pode ter sido o motivo da reunião.
Apesar de o biguá estar presente todos os dias do ano no Complexo Estuarino de Paranaguá, concentrações tão grandes vi somente em abril, julho e agosto, talvez devido a deslocamentos naquele período (outono-inverno).
Pelos dados apresentados acima creio que em alguns momentos do ano o biguá é a ave aquática mais numerosa do Complexo Estuarino de Paranaguá. Em outros momentos do ano a ave estuarina mais abundante deve ser a garça-azul (Egretta caerulea), uma espécie de contagem difícil, pois se espalha pelos bancos de lama de todo o estuário para se alimentar. O maior número que consegui contar desta espécie foi um grupo de 161 exemplares em 18 de fevereiro de 2008, próximo a Ponta de Pita, num local de repouso durante maré alta. Na mesma data e no mesmo local contei um total de 134 exemplares do gaivotão (Larus dominicanus), que também está entre as aves mais numerosas do estuário.
Quando perguntei aos amigos da Peixaria da Bete quais são as aves aquáticas que eles julgam as mais numerosas da Baía de Paranaguá, responderam imediatamente: “O biguá e o gaivotão”. Estamos de acordo!
Para regiões estuarinas dos estados vizinhos, as aves aquáticas mais numerosas são a garça-azul para os manguezais de Santos-Cubatão, SP e o biguá e gaivotão para o Estuário do Saco da Fazenda, em Itajaí, SC (Alves et al. 2011).
No que se refere à periodicidade, na costa de Rio Grande do Sul foi visto um grupo de aproximadamente 3 mil biguás em janeiro, na Lagoa de Peixe (Belton 1984) e ali ocorrem grandes bandos desta espécie também em fins de agosto, na Lagoa dos Patos (Sick 1985). No último local a espécie é comum o ano todo (Vooren & Ilha 1995).
Na opinião de Moraes & Krul (1995), na costa do Paraná o biguá é menos populoso no período de maio a outubro do que no resto do ano. 
Segundo Alves et al. (2011) é “provável que populações de biguás de São Paulo, Santa Catarina e mesmo de Argentina efetuem deslocamentos após o período reprodutivo, até áreas mais quentes da região sudeste no outono e no inverno. Possivelmente, o aumento populacional verificado na Baía de Guanabara durante esses períodos, poderia estar relacionado a esses deslocamentos.”.
Voltando aos biguás que em 20 de julho passavam numa fila indiana interrompida em direção ao rio Cachoeira: será que pretendiam seguir aquele rio rumo a São Paulo? Os meus amigos na Peixaria da Bete, que nasceram e se criaram nesta região, acham que não. Segundo ele os biguás costumam subir o rio Cachoeira até certa altura, mas sempre voltam. 
Mudando um pouco do assunto, vi por duas vezes (29 de março de 2005 e 4 de abril de 2010), um pouco antes do nascer do sol, um bando de aproximadamente 40 biguás atravessar a minha casa (localizado na rodovia PR-405 km 9,5). Ambas as vezes voavam em formação cuneiforme ('V') para o oeste, em direção ao rio Cachoeira, que fica a 5 km da minha casa. Também vi uma vez (13 de junho de 2005), um pouco após o por do sol, um bando do mesmo tamanho atravessar Tagaçaba Porto da Linha, um povoado situado ao lado do rio Tagaçaba, a 22 km da minha casa. O fato de eu dispor de tão poucos registros destes sobrevoos crepusculares, certamente se deve ao horário combinado ao voo totalmente silencioso desta espécie. Já que as três observações foram feitas no período de março a junho cogito a possibilidade de esse ser o período reprodutivo da espécie, com o grupo se deslocando entre o ninhal e o local de pesca.
A respeito da época de reprodução do biguá encontrei o seguinte: em Rio de Janeiro ele nidifica no verão e outono (Alves et al. 2011), enquanto em Rio Grande do Sul foi encontrada nidificando em outubro (Belton 1984). No Paraná, encontrei um indivíduo em plumagem nupcial (com tufo branco atrás da região auricular) em 9 de março (1985), durante o meu levantamento da avifauna do Parque Regional do Iguaçu, em Curitiba. 
Talvez vocês se lembrem de que na circular de 29 de setembro do ano passado relatei a chegada de uma ave nova para os bancos de lama em frente ao cais de Antonina: o tapicuru-de-cara-pelada (Phimosus infuscatus). Vou aproveitar esta carta para lhes mostrar como tem sido a presença local da espécie desde então: vejam Tabela 1. 
Tabela 1. Contagens de indivíduos do tapicuru-de-cara-pelada vistos a partir do cais em Antonina: máximos mensais.
Data
Ano
2011
2012
Mês (1)
7
8
9
10
11
12
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Dia
4
4
22
23
7
5
4
8
2
1
14
17
25
16

Número de indivíduos
5
4
88
43
18
7
11
8
15
1
12
5
8
12

(1) Indicada pelo número correspondente ao mês.  
Como se vê na Tabela 1, após do recorde de 88 indivíduos em 22 de setembro de 2011, o número diminui rapidamente e tem se mantido abaixo de vinte indivíduos desde novembro. Na primeira metade de 2012 recebi de várias pessoas fotos dessa espécie tiradas nos bancos de lama de Paranaguá. Assim, creio que a maior parte dos indivíduos observados há um ano em Antonina tem se mudado para lá. 
REFERÊNCIAS
Alves, V.S., A.B.A. Soares, G.S. do Couto & J. Draghi. 2011. Padrão de ocorrência e distribuição de biguás Phalacocorax brasilianus na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, Brasil. Revista Brasil. Ornitol. 19: 469-477.
Belton, W. 1984. Birds of Rio Grande do Sul, Brazil. Part 1. Rheidae through Furnariidae. Bull. Amer. Mus. Natur. Hist. 178: 369-631.
Moraes, V.S. & R. Krul. 1995. Aves associadas a ecossistemas de influência marítima no litoral do Paraná. Arq. Biol. Tecnol. 38: 121-134.
Sick, H. 1985. Ornitologia Brasileira, uma introdução. Ed. Universidade de Brasília, Brasília. 827 pp., 43 pl.
Vooren, C.M. & H.H. Ilha. 1995. Guia das Aves comuns da costa do Rio Grande do Sul. Imago Maris 2(1): 1-23.
(André de Meijer, 29 de agosto de 2012)



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