segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Uma prática obsoleta !


Danielle Tetü Rodrigues, advogada, é professora e doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento e vice-presidente do Instituto Abolicionista Animal

01/11/2013 | 00:09 | DANIELLE TETÜ RODRIGUES, ADVOGADA, É PROFESSORA E DOUTORA EM MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO E VICE-PRESIDENTE DO INSTITUTO ABOLICIONISTA ANIMAL
A redução dos não-humanos ao denominado “animais de laboratório”, como se fossem meramente recursos ou objetos de estudo, tem evidenciado uma temática há muito debatida na academia: o uso de animais para o ensino e pesquisa.
Contudo a repercussão internacional do recente caso sobre cães da raça beagle retirados por defensores dos animais do Instituto Royal, local em que estavam confinados para servir a testes, mais uma vez trouxe à baila o confronto da legalidade e aplicabilidade da lei, da moralidade, da ética, da indignação e compaixão, temas complexos e extremamente discutidos nas universidades que agora ecoam nos tribunais.
A realidade dos animais é bem diferente daquela que se imagina, pois, além de viverem uma vida inteira confinados e privados da natureza própria da espécie e subjugados a zero em sua autonomia de consentimento, são, por diversas vezes, submetidos à intervenções cirúrgicas que a eles nada trazem de benefício e passam a ser tratados como objetos descartáveis, passíveis de manipulação e destruição.
Obviamente os animais usados no ensino e pesquisa dificilmente morrem durante ou após o primeiro procedimento cirúrgico. Assim, não somente os maus tratos são combatidos, mas também a falta de critério para a efetivação da morte, uma vez que o direito do animal a ter uma vida digna é aniquilado, o que dá margem a arbitrariedades que por si só inviabilizam a proteção dos animais que são usados em faculdades e laboratórios.
Sabe-se que os animais não são apenas fundamentais para a preservação da vida no planeta, mas são seres sensíveis e sencientes. Possuem sentimentos e sensações similares aos dos humanos: sentem dor, medo, fome, frio, angústia, alegria. Enfim, eles têm consciência e esse fato é incontroverso graças ao Manifesto de Cambridge! Sim, foi preciso que o comportamento dos animais, o fenômeno da consciência, a anatomia e a genética do cérebro fossem estudados por neurocientistas mundialmente renomados para confirmar algo que já era patente e conhecido cientificamente: todos os mamíferos, pássaros e outras espécies animais, como o polvo, são sensíveis e têm inteligência, pois possuem as estruturas nervosas que produzem a consciência. Agora, felizmente, como alertou Philip Low: “Não é mais possível dizer que não sabíamos”.
Se os não humanos também possuem a capacidade de sofrer e de sentir e, portanto, são dotados de interesses, têm direito à defesa de seus direitos essenciais, quais sejam: direito à vida, ao livre desenvolvimento de sua espécie, da integridade de seu corpo e de seu organismo, ao não sofrimento e à liberdade.
A Constituição, por sua vez, ao prescrever essa proteção ao animal, faz importante menção de que ela se dará em conformidade com a lei, sendo de pertinência demonstrar a opção do legislador brasileiro de vedar o uso de animais em experimentos/aulas práticas, quando existentes meios alternativos.
Além do mais, inexiste qualquer antinomia com a Lei nº 11.794/2008, chamada de Lei Arouca, que tem por escopo a regulação de procedimentos para o uso científico de animais. Essa lei estabelece procedimentos para o uso de animais para fins científicos ou pedagógicos, mas reconhece a necessidade de substituição desta prática por recursos alternativos.
Assim, em razão das denúncias efetuadas por alunos da Faculdade de Medicina (humana) da USFC, sobre maus tratos aos animais na disciplina de Técnica Cirúrgica, foi ajuizada por mim uma ação civil pública, com pedido de liminar, contra a aquela universidade solicitando a substituição do uso dos animais por métodos alternativos, sob pena de multa, no ensino universitário. No polo ativo, o Instituto Abolicionista Animal (IAA).
A liminar foi deferida em favor do IAA e mantida no TRF-4. Em seguida, a sentença de 1º grau impôs a abstenção do uso de animais nas aulas de medicina humana, sob a pena do pagamento de R$ 5 mil por cada uso indevido de animal.
Insatisfeita com a decisão, a ré interpôs recurso no TRF-4, contra o qual o IAA já se pronunciou e que ainda está longe de finalizar. Entretanto, por meio de vias transversas, pode-se assim dizer, a USFC conseguiu a suspensão da execução de sentença com a decisão monocrática do presidente do TRF-4, Tadaaqui Hirose, o qual se justificou alegando que a proibição do uso dos animais prejudicaria a formação acadêmica dos médicos e, ainda, por entender que a sentença proferida pelo juízo de primeira instância colocaria em risco a ordem e a economia públicas.
Em que pese a consideração pelo presidente, não há como concordar com tal justificativa e, deste modo, o Instituto Abolicionista Animal prepara defesa que deverá ser apresentada na primeira semana de novembro.
Aguardar o desfecho desta ação pioneira no Brasil não é tarefa fácil. Demonstrar que, além dos não-humanos serem constitucionalmente protegidos e obrigatoriamente tutelados pelo Estado, aliado à existência de inúmeros métodos alternativos voltados à academia médica, com substituição dos animais por técnicas mais avançadas e consentâneas com a concepção de que diferem os organismos de animais e humanos, parece requerer mais preparo emocional do que paciência!
Mister se faz adotar o imperativo ético da igual consideração de interesses dos humanos e não-humanos, que, coligada à farta literatura sobre os métodos alternativos ao uso de animais no ensino, bem como a viabilidade na aquisição desses recursos, agora cabe ao Judiciário traçar o destino final dos ditos “animais de laboratório”, dentre eles, nossos melhores amigos: cães, gatos, ratos, macacos, entre outros. Por enquanto, aqui permanecem os corações apertados, por todos aqueles animais e tantos outros que ainda estão sob a tirania humana!

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